Comemoram-se este ano os 100 anos da República Portuguesa e o primeiro centenário do golpe de estado que instaurou o regime republicano em Portugal e derrubou a monarquia.
As origens do golpe de estado do 5 de Outubro de 1910
Na origem do golpe de estado que levou à implantação do regime republicano estava o descontentamento
político e social, a dissolução do Parlamento e a ditadura de João Franco ( legítimizada pelo Rei D. Carlos), o grande poder da Igreja Católica), a alternância dos dois grandes partidos da ápoca (Partido Progressista e Partido Regenerador) os enormes gastos da família real, a aparente incapacidade do regime monárquico se adaptar aos tempos modernos e a grande repressão exercida sobre as classes operária, que viviam miserávelmente e se viam obrigadas a grandes jornadas de trabalhos.
Factos que gradualmente foram contribuindo para o erodir da Monarquia em Portugal e que foi aproveitado pelos defensores de um regime republicano, de entre eles destacando-se o Partido Republicano, aquele que soube tirar melhor partido daquela conjuntura político-social. Foi também elementar nesta erosão do regime monárquico em Portugal, o célebremente "infame" últimato Britânico e a submissão do país aos interesses coloniais britânicos em África.
Aliás este mesmo últimato britânico de 1890, a que Portugal se viu obrigado a ceder, e que causou imenso descontentamento social e exarcerbou de alguma forma os sentimentos nacionais (foi nessa altura que se escreveu o hino nacional actual A Portuguesa, que viria a substituir o Hino da Carta) esteve na origem também do primeiro grande levantamento e subsquente tentativa de golpe de estado e implantação da república no Porto, ocorrido no dia 31 de janeiro de 1891. "Em 14 de Janeiro o governo progressista caiu e o líder regenerador António de Serpa Pimentel foi nomeado para formar novo governo.
Alimentando um ambiente de quase insurreição, a 23 de março de 1890, António José de Almeida, na época estudante da Universidade de Coimbra e, mais tarde, Presidente da República, publicou um artigo com o título "Bragança, o último", que seria considerado calunioso para o rei e o levaria à prisão.
A 1 de Abril de 1890, o velho explorador Silva Porto imolou-se envolto numa bandeira portuguesa no Kuito, em Angola, após negociações falhadas com os locais, sob ordens de Paiva Couceiro, o que atribuiu ao ultimatum.
A morte do que fora um dos rostos da exploração interior africana gerou uma onda de comoção nacional e o seu funeral foi seguido por uma multidão no Porto.
A 11 de Abril foi posto à venda o Finis Patriae de Guerra Junqueiro, ridicularizando a figura do rei."
Tentativas anteriores de golpe de estado e de implantação da república:
Nos anos que se segiram ao últimato britânico assitiram-se a várias tentativas de derrube do regime monárquico, tendo as duas mais importantes, anteriores ao levantamento militar republicano de 5 de Outubro de 1910 sido a de 21 de Janeiro no Porto, e a Intentona do Elevador da Biblioteca ocorrida no dia 28 de janeiro de 1908, precisamente 3 dias antes do regicídio no qual morreram o Rei Dom Carlos e o Príncipe Real (príncipe herdeiro) Dom Luís Filipe, no Terreiro do Paço, quando regressavam a Lisboa.
Aquela intentona estava de facto directamente relacionada com o atentado que vitimou as figuras reais portuguesas.
O 31 de Janeiro
Analisando ao pormenor o golpe ocorrido no Porto, evento que ficou conhecido pelo 31 de Janeiro:
"A 1 de Janeiro de 1891 reuniu-se o Partido Republicano em congresso, de onde saiu um directório eleito constituído por: Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Homem Cristo, Jacinto Nunes, Azevedo e Silva, Bernardino Pinheiro e Magalhães Lima.
Estes homens apresentaram um plano de acção política a longo prazo, que não incluía a revolta que veio a acontecer, no entanto, a sua supremacia não era reconhecida por todos os republicanos, principalmente por aqueles que defendiam uma acção imediata. Estes, além de revoltados pelo desfecho do episódio do Ultimato, entusiasmaram-se com a recente proclamação da República no Brasil , a 15 de Novembro de 1889.
As figuras cimeiras da "Revolta do Porto", que sendo um movimento de descontentes grassando sobretudo entre sargentos e praças careceu do apoio de qualquer oficial de alta patente, foram o capitão António Amaral Leitão, o alferes Rodolfo Malheiro, o tenente Coelho, além dos civis, o dr. Alves da Veiga, o actor Verdial e Santos Cardoso, além de vultos eminentes da cultura como João Chagas, Aurélio da Paz dos Reis, Sampaio Bruno, Basílio Teles, entre outros.
Desfecho
A revolta tem início na madrugada do dia 31 de Janeiro, quando o Batalhão de Caçadores nº9, liderados por sargentos, se dirigem para o Campo de Santo Ovídio, hoje Praça da República, onde se encontra o Regimento de Infantaria 18 (R.I.18).
Ainda antes de chegarem, junta-se ao grupo, o alferes Malheiro, perto da Cadeia da Relação; o Regimento de Infantaria 10, liderado pelo tenente Coelho; e uma companhia da Guarda Fiscal.
Embora revoltado, o R.I.18, fica retido pelo coronel Meneses de Lencastre, que assim, quis demonstrar a sua neutralidade no movimento revolucionário.
Os revoltosos descem a Rua do Almada, até à Praça de D. Pedro, (hoje Praça da Liberdade), onde, em frente ao antigo edifício da Câmara Municipal do Porto, ouviram Alves da Veiga proclamar da varanda a Implantação da República.
Acompanhavam-no Felizardo Lima, o advogado António Claro, o Dr. Pais Pinto, Abade de São Nicolau, o Actor Verdial, o chapeleiro Santos Silva, e outras figuras. Verdial leu a lista de nomes que comporiam o governo provisório da República e que incluíam: Rodrigues de Freitas, professor; Joaquim Bernardo Soares, desembargador; José Maria Correia da Silva, general de divisão; Joaquim d'Azevedo e Albuquerque, lente da Academia; Morais e Caldas, professor; Pinto Leite, banqueiro; e José Ventura Santos Reis, médico.
Foi hasteada uma bandeira vermelha e verde, pertencente a um Centro Democrático Federal.
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Placa comemorativa |
Com fanfarra, foguetes e vivas à República, a multidão decide subir a Rua de Santo António, em direcção à Praça da Batalha, com o objectivo de tomar a estação de Correios e Telégrafos.
No entanto, o festivo cortejo foi barrado por um forte destacamento da Guarda Municipal, posicionada na escadaria da igreja de Santo Ildefonso, no topo da rua.
O capitão Leitão, que acompanhava os revoltosos e esperava convencer a guarda a juntar-se-lhes, viu-se ultrapassado pelos acontecimentos.
Em resposta a dois tiros que se crê terem partido da multidão, a Guarda solta uma cerrada descarga de fuzilaria vitimando indistintamente militares revoltosos e simpatizantes civis.
A multidão civil entrou em debandada, e com ela alguns soldados.
Os mais bravos tentaram ainda resistir.
Cerca de trezentos barricaram-se na Câmara Municipal, mas por fim, a Guarda, ajudada por artilharia da serra do Pilar, por Cavalaria e pelo Regimento de Infantaria 18, força-os à rendição, às dez da manhã.
Terão sido mortos 12 revoltosos e feridos 40."
Cerca de 200 revoltosos foram presos e condenados a penas que iam até aos 15 anos de prisão e degredo nas colónias ultramarinas de Angola e Moçambique.
O Golpe do Elevador da Biblioteca
Quase 17 anos depois do golpe falhado no Porto vem a ocorrer em Lisboa novo golpe de estado, intentona que veio a ficar conhecida pelo Golpe do Elevador da Biblioteca.
"O Golpe do Elevador da Biblioteca, ou a Intentona do Elevador, ou ainda o Golpe de 28 de Janeiro de 1908, foi uma tentativa de golpe de estado, visando à proclamação da República, levada a cabo pelo Partido Republicano Português de parceria com a Dissidência Progressista, como reacção contra o anunciado fim da ditadura administrativa de João Franco e a consequente ameaça de ascensão política do Partido Regenerador-Liberal daquele. Embora o golpe tenha sido gorado por acção preventiva do governo, este falhou em eliminar todos os focos de conspiração, do que resultou, em questão de dias, a execução da acção que previa a eliminação física do monarca: o Regicídio, em consequência do qual, embora a mudança de regime em si não tenha sido efectuada, o afastamento do rei e de João Franco puseram termo à reforma da monarquia, mantendo a mesma instabilidade até aí crescente e que levaria à proclamação da República em consequência do golpe seguinte.
Desde que o Rei D. Carlos se decidira a apoiar João Franco e lhe permitira governar em ditadura (isto é, sem o parlamento, não com suspensão das liberdades), que todos os outros partidos, assim arredados do poder, faziam uníssono nas suas criticas aos dois estadistas. Se por um lado os tradicionais partidos Regenerador e Progressista eram aqueles cujas críticas mais alto se ouviam, outros dois partidos mais pequenos tinham mais a perder e tinham também, pela sua própria natureza e orientação politica, recurso a outro meio de reacção, nomeadamente a força.
A Dissidência Progressista havia sido fundada quase exclusivamente devido á fome de poder do seu fundador, José Alpoim , e este não estava de maneira nenhuma disposto a ser arredado do poder.
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João Franco o presidente do concelho de ministros |
Embora fosse oficialmente monárquico, o partido e o seu chefe acabaram por pôr de parte esses escrúpulos e aliaram-se ao Partido Republicano.
Este, embora tivesse membros menos radicais, não era averso ao derrube pela força da monarquia, um objectivo de longa data.
Acrescia também que a acção de João Franco, que dizia querer caçar no terreno dos republicanos, isto é, satisfazer as exigências do eleitorado daqueles, aliado á possibilidade da cessação da instabilidade de que se alimentava a sua demagogia, ameaçava marginalizar o partido.
A marcação de eleições para 5 de Abril, com a esperada vitória do partido de João Franco e a reabertura de um parlamento funcional uniu estes dois partidos numa acção de derrube pela força, na qual os dissidentes forneceram o dinheiro e as armas, e os republicanos, mediante os seus contactos com grupos conspirativos carbonários, forneciam os homens.
Planos
Originalmente, o plano como interpretado pelos dissidentes visava a abdicação de D. Carlos, mas acaba por ser substituido pela ideia de proclamação da república.
Ouve várias versões do plano, embora cedo se defendesse que qualquer golpe passaria pela remoção fisica do "ditador" João Franco, sem o qual os militares não sairiam á rua para se juntar, e dar uma face institucional, aos sublevados civis.
Na sua versão final o plano operacional previa que as brigadas carbonárias neutralizassem as comunicações, a cavalaria do Largo do Carmo, a Guarda Municipal no Largo dos Lóios, o quartel de Cabeço de Bola e os marinheiros de Vale de Zebo, tomassem o Paço e abatessem João Franco.
A 27 de Janeiro o plano é aprovado conjuntamente por Afonso Costa pelos republicanos e o visconde de Ribeira Brava pelos dissidentes, que decidem a eliminação do ditador.
Quando é que plano para abater João Franco se tornou no plano para abater o rei é algo mais dificil de precisar, mas estudos recentes apontam para fins de 1907, nesta altura, José Maria Alpoim associa-se à Carbonária o que leva, consecutiva e complementarmente, a um plano de aquisição de armas, o plano para um levantamento revolucionário, um plano para assassinar o primeiro ministro e outro para assassinar o Rei.
Até onde os dirigentes republicanos estavam a par disto é algo que não se sabe, pois a relação entre os regicidas e toda a mecânica do golpe, do qual faziam parte, foi posteriormente abafada.
A natureza desconexa das forças em acção no planeado golpe acabaram por se ver ainda mais desorganizadas na véspera do golpe, que deveria ocorrer dia 31 de Janeiro ou 1 de Fevereiro, quando um acaso precipitou os acontecimentos.
Reacção Preventiva do Governo
A confiança dos conspiradores era tal, que um comerciante de nome Vitor dos Santos tentou aliciar um polícia seu conhecido.
Este, após ver os caixotes de explosivos, teve a reacção oposta e foi dar parte do sucedido aos seus superiores.
Avisado o governo, João Franco mandou que se prendessem o chefe republicano António José de Almeida, o dirigente carbonário Luz de Almeida, o jornalista João Chagas e outros de importância óbvia.
São tomadas medidas de reforço de pontos estratégicos e a Guarda Municipal posta de prevenção.
Os restantes conspiradores perderam a iniciativa.
A Tentativa de Golpe
A liderança do movimento assim quase decapitado recaiu sobre Afonso Costa.
Este apoiou-se nos dirigentes da dissidência progressista, José Maria Alpoim e o visconde da Ribeira Brava, e tomam os seus lugares segundo os planos estabelecidos, indo para o Elevador da Biblioteca.
No entanto, a acção do Governo pusera os quartéis de sobreaviso e os alvos militares haviam sido reforçados pelas forças governamentais, pelo que os vários grupos de conspiradores dispersaram.
Alguns, ainda inconformados, levam a cabo ataques a esquadras.
Há escaramuças no Rato, Alcântara, no Campo de Santana e na Rua da Escola Politécnica cai morto um polícia.
Esperando confirmação, e ainda esperançosos de um volte-face, continuam a chegar mais conspiradores ao elevador, de maneira que um polícia que observava fica desconfiado, pois o elevador à altura encontrava-se avariado.
Pediu reforços e logo são presos de armas na mão Afonso Costa, Egas Moniz, Álvaro Poppe, Ribeira Brava e outros.
José Maria de Alpoim consegue fugir para Espanha.
São detidos também os viscondes de Pedralva e Ameal, João Pinto dos Santos, Cassiano Neves, Batalha de Freitas e muitos mais, elevando o total de presos a mais de cem, sem contar com os cabecilhas.
A revolta parecia estar esmagada."
Estava assim aberto o caminho para o Regicídio que ocorreria a 1 de fevereiro de 1908, precisamente três dias depois, numa situação de aparente e enganadora calmaria.
O próximo artigo desta série tratará do regicídio e dos últimos dias do regime monárquico em Portugal.....
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