Esta semana no dia 21 de Março de 2012, Dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial assinalam-se os 52 anos do massacre ocorrido na cidade de Sharpeville, localidade situada na actual província de Gauteng na Africa do Sul.
Esta é uma data que importa lembrar uma vez que o racismo é um estigma ainda presente em muitas sociedades ditas modernas.
Naquele dia 21 de Março de 1960, Segunda-feira, ocorreu um protesto organizado pelo Congresso Pan-Africano (P.A.C.-Pan African Congress) contra as leis de Passe que obrigavam a que todos os sul-africanos de origem não europeia tivessem de carregar consigo um documento identificativo que funcionando tal como um passaporte, entre outros dados deveria ter carimbada uma autorização oficial de deslocação pelo território do país, impedindo assim a livre circulação e o direito de livre residência.
Perto de cinco mil manifestantes reuniram-se naquele dia em Sharpville para um protesto que se pretendia pacífico tendo sido o protesto contido pela polícia Sul-africana que abriu fogo indiscriminadamente contra os manifestantes tendo matado 69 pessoas e ferido cerca de 180.
O massacre de Sharpville foi o evento que trouxe pela primeira vez à atenção da comunidade internacional a questão do apartheid na Africa do Sul .
Esta é também uma data importante a ser lembrada para que não nos esqueçamos naquilo em que uma sociedade orientada pelos valores do racismo, da intolerância e do medo da diferença, sob a justificativa da procura de um falso sentido de segurança e de autopreservação resistente a toda e qualquer mudança, se pode tornar.
As leis do passe
As razões adjacentes aos protestos em Sharpeville tinham a ver principalmente com as leis do Passe, documento a que todos os africanos não brancos e em particular os africanos de raça negra eram obrigados a utilizar nas suas deslocações no território Sul- Africano e que de alguma maneira limitavam o seu acesso às cidades e zonas urbanas.
Estes passes, algo semelhantes a um passaporte (em forma de livro-Book of laws ou dom pas, como comummente eram chamados) incluíam uma fotografia, detalhes sobre o lugar de nascimento da pessoa, dados relativos à ocupação profissional e ao emprego, pagamento de impostos, fornecendo também provas oficiais de que uma pessoa em particular tinha autorização de entrar ou de visitar areas urbanas, além de também trazerem em detalhe o registo criminal da pessoa.
Inicialmente as leis de passe quando surgiram começaram por ser impostas apenas aos indivíduos do sexo masculino, sendo não muito tempo depois estendidas também ás mulheres.
Estas leis de passe contribuíram para o aumento do sentimento de humilhação e de discriminação vivida pelas populações africanas de raça negra, pois havia o medo constante de se ser agredido e algemado aquando da ausência da posse daquele documento.
Note-se que as populações africanas de raça negra não eram consideradas como cidadãos da República da Africa do Sul durante o regime de segregação Racial que ficou conhecido como Apartheid-Desenvolvimento separado.
Outras razões para os protestos em Sharpville
Para além das leis do Passe havia também outras razões adjacentes aos protestos tais como os baixos salários e as altas rendas nos Townships.
Os baixos salários eram uma questão importante pois os sindicatos negros não tinham qualquer reconhecimento legal e não podiam portanto negociar com os patrões.
A chamada barreira da cor-colour bar-que reservava certos trabalhos e certos cargos apenas para os "brancos",também limitava o acesso aos "negros"aos trabalhos bem pagos e mais especializados e que requeriam competências profissionais específicas.
O Congresso Pan-Africano (P.A.C.)
Na década de 50 muitos membros do ANC (Congresso Nacional Africano) ficaram impacientes com a falta de resultados decorrente das formas pacíficas de protesto na luta contra o regime de apartheid deste modo afastando-se da linha seguida pelo ANC e decidiram formar o congresso Pan Africano.
Algumas razões citadas por algumas fontes da época para esta cisão são de que o PAC (eventualmente) defendia politicas contrárias áquelas defendidas pelo ANC que enfatizava o multi-racialismo e também outra das principais razões apontadadas para esta cisão era de que alguns dos membros do ANC se sentiam frustrados com a natureza moderada do ANC expressa na sua "Carta da Liberdade"(Freedom Charter) de 1955.
O PAC devia a sua formação em grande parte à pessoa de Robert Sobukwe um líder carísmatico que era louvado pelo seu intelecto. A sua liderança do PAC baseava-se na visão de um movimento de "Africa para os Africanos".
O PAC promovia acções de massa contra a discriminação.
Não é exacto dizer-se que o Africanismo defendido por Sobukwe fosse um africanismo racial ou em oposição directa às políticas multi raciais preconizadas pelo ANC.
Robert Sobukwe acreditava que em vez da adopção de uma politica de multi-racialismo ou um partido composto de diferentes grupos e idiologias aqueles que quisessem juntar-se ao PAC deveriam fazê-lo numa base individual ou não racial em apoi unido por um movimento africano.
Este ponto é apoiado por um extracto do discurso inaugural de
Sobukwe que foi proferido na altura da formação do PAC em 1959 e advogava o não racismo.
"Por conseguinte, o multi racialismo é de facto uma forma de apoiar e encorajar o preconceito e arrogância europeus. È um método de salvaguardar os interesses brancos, implicando tal como faz, representação proporcional a despeito das figuras e espectros populacionais.
Nesse sentido é uma completa negação da democracia.
-Para nós o termo "multi-racialismo implica que hajam aqui certas básicas insuperáveis diferenças entre os vários grupos nacionais, e que o melhor meio é mantê-los permanentemente distintos numa espécie de apartheid democrático.
Para nós isso é racialismo multiplo, o que provávelmente é o termo que verdadeiramente conota.
Nós objectivamos, politicamente, um governo dos Africanos por Africanos, pois os africanos, com todos que devem a sua única lealdade à Africa, e que está preparada para aceitar o governo de uma maioria africana sendo vista como africana.
Não garantimos direitos de minoria porque pensamos em termos de individuos e não de grupos."
O PAC tornou-se rival do ANC em termos de apoio, e isto levou a uma forte competição.
Assim pois, quando o ANC anunciou que planeava uma campanha contra as leis de passe para o dia 31 de Março de 1960 o PAC tomou a dianteira no dia 21 de Março.
Eventos que conduziram ao massacre:
Nesta data os apoiantes do PAC deveriam deixar os seus passes em casa e oferecer-se a sí mesmos para serem detidos na esquadra de polícia mais próxima.
Os protestos tiveram lugar em Sharpville e nos bairros de lata (Township) da actual província do Cabo Ocidental tais como o de Langa.
De acordo com o testemunho do lider do PAC R:Sobukwe acerca do lançamento da campanha:
"A campanha foi tornada conhecida no dia 18 de Março, circulares foram impressas e distribuídas aos membros do PAC e no dia 21 de Março, na segunda -feira , em obediencia á resolução que haviam tomado, os membros do PAC entregaram-se em várias esquadras da polícia por todo o país."
- Embora este protesto fosse antecipado, ninguém poderia ter previsto as consequências e as repercussões que isto teria para a Africa do SUl e para a política mundial.
De acordo com um artigo entitulado "a campanha do PAC será um teste" que foi públicado no número de 19 de março da revista Contacto a campanha é descrita:
" O Pan African Congress irá brevemente lançar uma campanha a nível nacional para a total abolição das leis de passe. A data exacta na qual a campanha começar´´a é desconhecida. A decisão jaz com o Presidente do PAC. Robert Sobukwe. Mas os membros dizem que a campanha começará muito brevemente em questão de semanas."
Apesar da natureza não violenta da campanha, os manifestantes encontraram com violenta oposição de polícias armados que estavam agitados depois de um recente evento em Durban, onde 9 polícias foram abatidos.
A força policial entrou assim em pânico à vista de milhares de manifestantes em Sharpville e disparou contra a multidão.
Este violento irromper de violência matou 69 pessoas e feriu 180. Em Langa 2 pessoas foram mortas.
Testemunhas oculares dão conta da violência desnecessária: e da forma desumana como a multidão foi recebida a tiro, apesar de não ter havido qualquer ordem para dispersar. A presença de carros blindados deu também evidência de um desnecessário aparato militar, em particular quando a multidão estava desarmada e determinada a encenar um protesto pacífico.
De acordo com Humphrey Tyler, o editor assistente do "Drum magazine":
" A polícia alegou que estava em perigo porque a multidão estava a apedrejá-los. ainda assim apenas três polícias reportaram ter sido apedrejados e mais de 200 africanos foram abatidos ou alvejados.
A polícia referiu também que a multidão estava armada com armas ferozes, que foram abandonadas no terreno quando fujiram.
Não ví quisquer armas, apesar de ter olhado muito cuidadosamente, e em seguida estudei as fotografias da cena de morte.
Enquanto ali estive, ví apenas sapatos, chapéus e algumas bicicletas deixadas entre os corpos.
A multidão não me deu qualquer razão para que me sentisse temeroso ou assustado, embora me movesse entre ela (no meio daquelas pessoas) sem qualquer marca distinta que me protegesse, bastante óbvio com a minha pele branca.
E eu acho que a multidão conhecia-a."
Consequências do massacre de Sharpville a nível interno e Internacional:
Os factos ocorridos em Sharpville naquela segunda-feira 21 de Março de 1960 foram relatados em todo o mundo e recebidos com horror pela comunidade internacional e a Africa do Sul foi duramente criticada pelas suas políticas de apartheid.
Estes acontecimentos também ajudaram e contribuíram para que se desenvolvesse um sentimento internacional anti-apartheid.
O conselho de Segurança da O.N.U. e governos de todo o mundo condenaram as acções policiais em Sharpville bem como as política de apartheid.
A simpatia Internacional ficou com os Africanos não-brancos da Africa do Sul.
Isto também teve como consequência que pela primeira vez a Africa do Sul do Apartheid sofresse sanções económicas pois um grande número de investidores internacionais retirou-se da Africa do Sul e os preços da acções no mercado de valores de Joannesburgh caíu.
A nível interno Albert Luthuli, autoridade bantu e o professor Z.K.Matthews pediram áà população um dia de luto nacional e encorajaram a população a fazer uma vigília que teve lugar no dia 28 de Maio.
Albert Luthuli e alguns outros queimaram os seus passes e as leis de passe foram suspensas temporáriamente embora voltassem a ser repostas à posteriori.
As vítimas do massacre foram a enterrar em funerais colectivos e alguns levantamentos e escaramuças tiveram lugar nos townships de Johannesburg e de Worcestor no Cabo como expressão de revolta contra o massacre.
Os Consulados estrangeiros foram também na época inundados com pedidos de emigração e muitos sul africanos brancos receosos de um recrudescer ainda mais violento dos sentimentos de revolta das populações africanas de côr negra, armaram-se.
O
ANC enviou Oliver Tambo , o seu vice-presidente , como seu embaixador ao estrangeiro , tendo este visitado outros países africanos bem como os estados unidos para ganhar apoios.
Reações do governo de minoria branca:
O
Dr.Verwoerd, então presidente louvou as acções da polícia e Mr. de Wet Nel disse que as relações raciais na Africa do Sul nunca estiveram melhores.
Contudo em 30 de Março de 1960 o governo declarou o estado de emergência e detenções em massa aconteceram por todo o país e quase todos os líderes negros foram detidos. A polícia na província do Cabo forçou os trabalhadores negros a voltar ao trabalho com bastões e chicotes e mais 34 pessoas foram abatidas em Durban.Houve mais greves e manifestações em Durban.
A 9 de Abril de 1960 já tinham morrido mais 83 civís e 3 polícias não brancos.
O
presidente Verwoerd sofreu uma tentativa de assassinato às mãos de um homem branco enlouquecido e Robert Sobukwe foi encarcerado, assim como outros líderes depois do massacre de Sharpville.
Sobukwe só viria a ser liberto quase 9 anos depois em 1969.
Quando o estado de emergência foi declarado, tanto o ANC como o PAC foram ilegalizados sob o acto de organizações ilegais a 8 de Abril de 1960, pois ambas as organizações eram vistas como um séria ameaça à ordem pública.
Debaixo do Acto de Supressão do Comunismo a pena por apoiar os objectivos de organizações ilegais era de 10 anos de prisão.
O massacre de Sharpville foi portanto pelas suas repercussões um ponto de viragem na luta de libertação dos povos africanos não brancos contra o Apartheid e a segregação racial, que lhes negava os direitos e a cidadania e os excluía da participação cívica e política.
O massacre de Sharpville também abriu espaço no contexto da Africa do Sul da época para formas mais activas de militância tais como a formação da Umkhonto We Sizwe ( "A lança do Povo"- O braço armado do ANC, uma organização de guerrilha) a partir de 1961.
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